A IRRESISTÍVEL E VELOZ VONTADE DE JULGAR



 


Para interagirmos com este mundo em que vivemos, nos fazemos valer de nossos sentidos e é impressionante como estes sentidos nos iludem, ou seja, a mesma informação chega para dois ou mais receptores de formas diferentes.

Se entrevistarmos duas testemunhas de um mesmo acidente é muito provável que cada um o descreva de modo diverso. E isto ocorre por múltiplos fatores, a base cognitiva (somos portadores de mananciais diversos de conhecimento), a acurácia destes sentidos (uns enxergam, ou vem ou sentem melhor ou pior), formação cultural e seus respectivos valores, enfim, há uma enormidade de fatores que entram nesta equação.

Isto posto, se não temos absoluta certeza de como o mundo nos chega aos sentidos, imaginem tentar enxergar pelos olhos de terceiros!

Quando avaliamos a ação de uma pessoa estamos (inconscientemente) tentando "calçar o sapato" do outro para perceber onde lhe doem os calos. Mas convenhamos que trata-se de uma tarefa que beira o impossível.

Por isso, nós que (em tese) fomos instruídos ao longo desta maravilhosa estrada da Arte Real, temos a obrigação de, minimamente, tentar compreender e acolher, antes de julgar e condenar.

Mas, infelizmente, esta não é uma preocupação generalizada.

Com rapidez vemos dedos em riste se erguendo para apontar este ou aquele comportamento de Irmãos em nossas Oficinas. Facilmente se ouve: "O Irmão X não vem mais à Loja!", "O irmão Y não se compromete!", O Irmão Z está com suas mensalidades em atraso!".

É fato que a legislação está aí, disponível para ser usada (desde que conhecida). É um outro problema a conveniência de deixar estes conhecimentos somente sob a responsabilidade dos titulares dos cargos (mas esse tema é para outro momento).

Mais que Igualdade, a sabedoria que vem do alto carece de aplicar um tratamento equânime. Nas palavras de Aristóteles:

"Tratar iguais de forma igual e desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades"

A figura abaixo ilustra perfeitamente a grande diferença entre estes conceitos que, não raro, são confundidos pelo senso comum.


Os Irmãos poderiam, com propriedade, alegar que a igualdade consta de nossa famosa tríade, mas eu tomo a liberdade de lembrá-los que esta não é a única tríade utilizada em nossa universal fraternidade. Por exemplo a tríade de origem anglo-saxã é "Amor Fraternal, Socorro e Verdade". Ou seja, há outras sutilezas envolvidas em questões como as citadas além da seca e dura aplicação da letra da lei.

Nossa legislação oferece à Loja todos os meios disponíveis para que problemas de inadimplência financeira, inassiduidade e outras posturas indesejáveis à Loja sejam saneados, mas há um passo muito importante e anterior a esta fase do processo de se eliminar um Irmão ou condená-lo sumariamente pelas opiniões e comentários, muitas das vezes tecidos na ausência daquele ou de forma genérica.

Há uma função de uma importância e nobreza ímpar. Uma função que deve, necessariamente, ser conferida a um Irmão experiente, pois é das funções mais delicadas da Loja. Falo do Irmão Hospitaleiro.

Este oficial da Loja é aquele que vai ao encontro do Irmão objeto de julgamento de seus pares. O Hospitaleiro, com tato, zelo e os mais puros gestos de acolhimento e fraternidade é que irá procurar aquele Irmão, ofertar apoio, ouvi-lo e, muitas vezes, desvelar caminhos possíveis e benéficos não só para aquele Irmão como para a Loja.

Por isso é muito, mas muito importante que este cargo seja prestigiado e ocupado por um Irmão experiente e com boas habilidades de relacionamento interpessoal e inteligência emocional.

Reflitamos, meus Irmãos! Quando apontamos um dedo para alguém, temos três voltados para nós. 

Procuremos deixar sempre aflorar o hospitaleiro que deve morar em nossos corações e conter o precipitado juiz (e por vezes carrasco) que se arvora em enumerar falhas, muitas vezes sem efetivamente colaborar para a lapidação das arestas.

Antes de julgar, ouça!

Antes de condenar, acolha!




FIAT LUX !!!!

 


Nesta minha caminhada que não é tão longa quanto à de tantos valorosos Irmãos (apenas 15 anos de Ordem), é a primeira vez que vejo tanta preocupação, manifesta em tantas Potências e Orientes diversos, com o problema SERÍSSIMO da Evasão em nossos quadros.

Se o problema já era sensível antes da pandemia global, com sua chegada, tornou-se uma fratura exposta, um elefante rosa sentado na sala que só não vê quem realmente está a preocupar-se somente com os torrões de açúcar em sua xícara de chá.

Mas estas manifestações aqui e acolá, ocorrendo com cada vez mais frequência, são para nós um motivo de alegria, de ESPERANÇA. Um sinal de que olhos estão se abrindo. Corações e mentes efetivamente preocupados com a sobrevivência de nossa Augusta Fraternidade estão vibrando em uníssono, entrando em ressonância e se reconhecendo mutuamente.

Olhamos uns para os outros e dizemos: "Ei, meu Irmão! Você está vendo onde podemos parar se nada fizermos?"

Ouvi de um Irmão uma frase que achei perfeita:


"Mudar é difícil, mas não mudar é fatal!"


É exatamente isso, meus queridos Irmãos! Mudar, sairmos de nossa zona de conforto, reavaliarmos nossa atuação enquanto instituição secular e cheia de realizações no passado, olharmos para nossa atuação no presente, tudo isso pode trazer desconforto para muitos. É difícil, mas é fundamental!

E aos que se desconfortam com esta análise, alegrem-se! Pois isto é um sinal de que ainda há tempo para vocês, digo, para nós. O que é entristecedor (e altamente preocupante) é perceber os que não sentem desconforto algum com o status quo.

Nossos iniciados PRECISAM ser melhor esclarecidos sobre o que encontrarão após a iniciação. É uma questão de simples franqueza! Mais que isso: de coragem! É a primeira demonstração de  honestidade para com o candidato a integrar nossas fileiras!

Ao padrinho cabe o dever de mostrar a vida maçônica como ela é! Chega deste discurso de que não se pode falar nada ao candidato antes de iniciar! Como assim?!!! É justamente o inverso!! Há que se esclarecer, de forma madura e verdadeira, que o caminho é árduo! Que exige sacrifício e convicção nos seus propósitos! Que a Iniciação é um renascer simbólico para uma nova postura de vida, para um novo olhar sobre o mundo e sobre seu papel nele.  

Fundamental alertar o candidato que a Maçonaria não é clube de benefícios mútuos. Deve ser, antes, uma congregação de homens que gozam (em tese) de confiança mutua e devem se ajudar naquilo que for justo e que não prejudique terceiros!

Imprescindível esclarecer o proposto que a Maçonaria não é entidade beneficente. Deve ser, antes, um espaço onde há oportunidade para ajudarmos, sim, aos necessitados, mas sem manutenção de dependência, sem dar apenas o peixe, mas providenciando o ensino da pesca. Colocar a mão no bolso e ajudar com metais é, sem dúvida, um ato nobre, mas a grandeza da Ordem não pode ser reduzida apenas à filantropia. Para isso existem outra valorosas e nobilíssimas instituições que têm como missão esta tarefa.

Importante alertá-lo de que o que ele encontrará, no caminho da Arte Real, são seres humanos reais e, como tal, falíveis. Que ele encontrará maus exemplos, decepções, incongruências, paradoxos, egos vitaminados de vaidade, comportamentos absurdos, mas encontrará também ombros amigos, braços acolhedores, mãos que ajudam a nos levantarmos e a aprendermos, exemplos a serem seguidos, companheirismo nos momentos de alegria e dor e, principalmente, encontrará ferramentas que o ajudarão a melhorar enquanto ser humano e a melhorar a sociedade na qual ele vive.

Mas isso é apenas se ele quiser, se tiver isso como propósito.

Sendo francos sobre o que ele irá encontrar o candidato será recebido em nosso seio mais fortalecido e preparado para o que o aguarda, ciente das batalhas que terá de enfrentar e suficientemente determinado a vencê-las. 

Assim evitaremos um sentimento que é a raiz da evasão maçônica:

a decepção.



Crédito da imagem: Photo by Ante Hamersmit on Unsplash


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Mario Vasconcelos

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Ouse buscar o conhecimento pelos seus próprios meios. Duvide. Questione sempre. Você será o único a desfrutar (ou sofrer) quando descobrir sua própria verdade.