O Mestre e a Luta Contra a Vaidade

Tomo a liberdade de partir do pensamento do Grande Ernest Hemingway para suscitar as reflexões que se seguem:

Muitas vezes nos esquecemos da natureza eminentemente “simbólica” na distinção entre os graus e cometemos o grave equívoco de não discernirmos o que se trata de simbologia do grau com outros conhecimentos e temas que deveriam ser fraternalmente debatidos entre quaisquer Maçons, independente do seu grau simbólico ou filosófico. 

Há que se ter muito zelo, tato e principalmente humildade no trato com nossos Irmão em geral e, muito especialmente, com nossos Aprendizes, que são os alicerces de nosso futuro, herdeiros potenciais da Ordem Maçônica e que, no futuro, serão Mestres, capacitados, instruídos, cultos, preparados e virtuosos na medida em que tiverem bons exemplos a serem seguidos.

Certamente que nossa Fraternidade é uma Escola para a Vida e, em uma instituição voltada para o aperfeiçoamento moral faz-se necessária uma estrutura onde o mais experiente orienta o caminho do mais novo na Ordem. 

Isto é ponto pacífico. Sem dúvida alguma a estrutura hierárquica de cargos e graus “simbólicos” merecem nosso mais profundo respeito e reverência pois, em tese, trazem consigo a vivência e, em muitos casos, um vasto conhecimento desenvolvido com a prática na Arte Real e, aos amantes da leitura, com muito estudo e pesquisa.

Ocorre que volume de conhecimento está longe de se traduzir automaticamente em sabedoria, verdadeira Pedra Filosofal que suaviza e enriquece o caminhar do homem. 

Insira milhões de dados em um supercomputador e depois coloque-o frente a situações que exijam compaixão, resiliência, intuição, tolerância ou interpretações de nossas normas que divirjam da meramente literal (sem entrar no mérito das imperfeições existentes em nossa legislação). Certamente que nos decepcionaríamos com o resultado.

Alguns vão contra argumentar acenando com a aplicação Inteligência Artificial e o Aprendizado de Máquina, e tantas outras áreas correlatas do conhecimento que emergem com força colossal em nossos dias. 

Não duvidamos que este dia possa chegar. Mas penso não ter tempo de vida suficiente para ver a ciência substituindo a sensibilidade humana por algoritmos digitais inteligentes.

Estamos falando de seres humanos, da relação entre um Mestre Experiente e um Aprendiz, via de regra, atordoado com o oceano de informações disponível à sua frente.

Nossa Ordem é extremamente sabia e perspicaz ao testar nossa vaidade com títulos, cargos, jóias, paramentos e graus. Sábio também é aquele Irmão que resiste a estas tentações e se vigia para nunca esquecer da imaculada brancura e beleza singela de nosso primeiro avental.

Gustave Flaubert, numa leitura da hagiografia[1] de Santo Antão, na obra “As Tentações de Santo Antão”[2], fez questão de reforçar que Antão era um homem excepcional, praticamente um não humano, que resistiu a tudo. 

Porém, ele usa a história de Antão salientar que a vaidade é um dos mais sérios e comuns pecados cometidos pelo homem. 

Ele relata que o demônio teria desistido de assediar Santo Antão, pois, após décadas de incansáveis tentações apresentadas ao Santo, quanto este já contava seus 105 anos, virou-lhe as costas e disse: “Você venceu! Pela primeira vez na história alguém foi mais forte que eu” e se retirou da caverna.

Antão caiu de joelhos e agradeceu a Deus com uma oração simples, “Muito obrigado, agora me tornei um santo”.

Era tudo o que o demônio precisava ouvir. Deu um sorriso largo e imediatamente voltou. Antão resistira a tudo, menos a vaidade de ser santo.

Quantos de nós não conhecemos a provocativa e reflexiva passagem bíblica “Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade. (Eclesiastes 1:2)Já se perguntaram, queridos Irmãos, a razão desta passagem integrar o universo de saberes simbólicos de nossa Ordem?

Procuremos interpretar estas mensagens. Elas trazem recados de nossos ancestrais. Eles gritam, do silêncio de suas tumbas: “Vigiai, Irmãos!!! Vigiai, pois o perigo de uma queda moral está em toda parte!!!”

Na formação do Aprendiz, futuro Companheiro, futuro Mestre, futuro Venerável e assim por diante, precisamos ter a humildade de compreendermos que a edificação do conhecimento se faz de forma horizontal, lado a lado, olho no olho e não com a superioridade de quem se dirige a um Irmão de grau “simbolicamente” inferior como se olhasse um súdito ou um subalterno dentro de um quartel.

Infelizmente Irmãos falam de hierarquia (fator extremamente necessário em nossa ordem), mas ignoram ou negligenciam o momento correto em que ela se faz necessária.

São nestes momentos onde a sabedoria verdadeira se faz presente e mostra seus doces frutos.

O Modelo vertical e unidirecional de “transmissão” Professor-Aluno já deu inequívocas e nefastas provas de sua obsolescência.

O verdadeiro educador cresce junto com seu educando, pois o processo de qualquer aprendizado é uma enriquecedora troca de saberes.

Uma verdadeira “construção” onde o Mestre cerra fileiras com seu Aprendiz, demonstrando a humildade necessária aos grandes homens e ajudando-o a fortalecer o alicerce da Opus Magnum (Grande Obra).

Excetuando-se, obviamente, os temas resguardados pelo sigilo dos graus simbólicos, a generosidade no compartilhamento das informações deve ser uma constante.

Como Mestre sinto a necessidade gritante de compartilhar o pouco conhecimento que julgar útil ao meu Irmão. Não importa se este conhecimento foi obtido à custa de muitas e muitas horas de pesquisa, estudo, leituras e buscas.

Se não pudermos compartilhar conhecimento útil com nossos Irmãos, se não pudermos tornar a vida deles um pouco melhor ou suscitá-los à meditação e reflexão, de que terão me servido tantas leituras, tanta informação acumulada?

Nossos neófitos, meus Irmãos, felizmente, têm sido recebidos em nossas fileiras cada vez mais preparados. Iniciados com vivência e formação profana muitas vezes superior às do seu Iniciador!

Mentes que não se conformam mais com respostas dogmáticas ou do tipo “Você vai saber quando chegar a hora! ”, muitas vezes usadas como subterfúgio para a ignorância de quem é questionado.

Muito melhor e mais digno dizer: “Meu Irmão, eu não sei, mas vou pesquisar e me esforçar para encontrar a resposta”.

Sejamos mais humildes, meus Irmãos! Falo da humildade verdadeira pois a falsa humildade é a mais abjeta das vaidades. Aprendamos a usar o Nível sobre nossas cabeças! Lembremo-nos do que somos feitos! Ossos! Quebradiços e destinados ao pó da igualdade!

Assim contribuiremos verdadeiramente para que nossos Aprendizes tenham exemplos de virtudes calcadas na maior delas: a humildade genuína e despretensiosa! Base sólida para o aperfeiçoamento do homem e da Humanidade.

Finalizando e agradecendo a fraternal atenção dos Irmãos, deixo uma frase atribuída ao Mestre Nazareno, que, com o devido respeito e deferência a todas as orientações religiosas, traz, para nossos corações e mentes, o calor de uma serena reflexão.

“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.”
                                                                                                                            (Jesus, o Cristo)










[1] Biografia ou estudo sobre a biografia de santos.
[2] FLAUBERT, Gustave – Editora Iluminuras, São Paulo, 2004.

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Mario Vasconcelos

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Ouse buscar o conhecimento pelos seus próprios meios. Duvide. Questione sempre. Você será o único a desfrutar (ou sofrer) quando descobrir sua própria verdade.